quinta-feira, 5 de abril de 2012

Quando coordenadora de operações de resgate das pessoas submetidas à escravidão (formas análogas), respondi a seguinte questão:


-Qual sua avaliação da cobertura da mídia em relação a escravidão?

Hoje posso dizer que a mídia presta um serviço relevante à causa, inclusive provou a todos que o trabalho escravo contemporâneo existe.


Graças a Jonas Campos, jornalista aguerrido que acompanhou a incursão de uma equipe do Grupo Móvel em Tucumã/PA, as cenas que tanto víamos e que até então eram negadas por todos, chegaram às casas dos brasileiros, após o jantar, no Jornal Nacional. Coordenava essa operação, a histórica Valderez Monte.


Valderez e sua equipe, na histórica operação de resgate.

A viagem desse jornalista, em 1997, rendeu quatro episódios, todos chocantes. Antes disso, não éramos acreditados nem pelos juízes do Trabalho, o que mudou muito, tendo sido criadas até as Varas Itinerantes e importantes Varas do Trabalho em cidades estratégicas, levando a Justiça aos locais longínquos, aproximando-a dos fatos que entendia inexistentes.

Mas, como toda exposição excessiva, as pessoas vão se cansando do assunto, como aconteceu com o trabalho infantil, provocando uma “fadiga humanitária”, um cansaço de ver repetidos e insanáveis problemas. Há mais de dezesseis anos que se vê combate/exploração/ combate/exploração/ combate/exploração e cadê a prometida ERRADICAÇÃO?

Talvez seja o momento da mídia inovar na cobertura, pegando um caso simbólico, como por exemplo, o do trabalhador que foi surrado com uma corrente, baleado, torturado, lá no Mato Grosso. O MPT pediu na Justiça do Trabalho uma indenização por danos morais de mais ou menos 60 mil Reais e o corajoso Juiz João Humberto, diante dos agravos sofridos pelo pobre homem, sentiu que a sociedade foi duramente agredida com tal desrespeito humano e surpreendentemente, julgou “ultra petita” (além do pedido).

Majorou a indenização para um milhão de Reais, o que foi confirmado pelo Tribunal Regional do Trabalho, chancelando uma ação impensável até então, para a Justiça do trabalho. A história desse rapaz poderia ser muito divulgada, usando recursos gráficos como foram usados pelos peritos no caso da menininha Isabela, demonstrando os danos físicos e sofrimento causados pela ação de uma pessoa que se deu o direito de ser dono de um ser humano, da sua vida e da sua liberdade. Uma lição para os que defendem os direitos humanos.

Essa postura do inovador Juiz me fez lembrar uma frase que ouvi de Dalmo Dalari, que presidiu a OAB, numa palestra que proferiu em Fortaleza. Ele disse que ninguém é pequeno para lutar por direitos humanos.

Segundo ele, toda pessoa pode fazer alguma coisa em defesa desses direitos inerentes à pessoa humana, mesmo que as forças a serem enfrentadas sejam desmedidas. E relatou sua experiência como perito da ONU ao visitar a Índia, para fazer um relatório sobre o respeito aos direitos humanos em Caschemire, visando responder ao pedido do referido país que pretendia fazer parte de uma seleta comissão daquele organismo internacional. O parecer de Dalmo Dalari foi desfavorável à Índia.

O Ministro daquele país deslocou-se até o Brasil para convencer o jurista a mudar seu relatório. Dalmo respondeu-lhe:

- Não negocio sobre direitos humanos.

Disse-nos ele, na sua palestra:

- Quem era eu, o cidadão Dalmo Dalari, para mover um importante ministro, de um país com bomba atômica, que atravessou os mares para pedir que mudasse minha convicção? Era alguém muito grande, porque estava defendendo direitos humanos.

Não sabe o eminente jurista, que me deu coragem para não me sentir pequena diante das descomunais forças que mantêm a escravidão contemporânea no nosso país.

Pois bem, a mídia, essa força gigante, deveria também dar mais enfoque ao momento da partida, do flagrante de aliciamento, quando o cidadão ainda pode ser salvo da escravidão, embora já tenha ocorrido esse outro crime, o aliciamento. O trabalhador já terá nesse instante, uma dívida que será cobrada mais na frente (fretamento do ônibus e agora até passagens aéreas, abono que deixou pra família, conta paga na bodega).

Se isso for mostrado, a população ficará indignada e não feliz com a presença de um sujeito bem vestido, aparentando opulência, que vem prometer salários exorbitantes a pessoas pobres e famintas e sem capacitação profissional.

2 comentários:

  1. Marinalva ótimo texto! Podemos publicar na Repórter Brasil?

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    1. Claro, Bianca. Um abraço. Não tinha visto o comentário, só agora me dei conta.

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