quinta-feira, 5 de abril de 2012


Em tempo de Páscoa, que lembra a paixão e o assassinato de Cristo, seguidos da sua ressurreição, posto um texto que escrevi numa véspera de Natal, também importante data da cristandade, para mostrar que humildade, solidariedade e compaixão são sempre esperadas de quem professa a fé em Cristo.

O PADRE

Num desses anos, fui à Igreja com a minha filha para rezarmos e ficarmos bem integradas com aquele bebezinho que nasceu em 25 de dezembro. Como toda praiana, estávamos em trajes típicos de orla (bermudas, camisetas, sandálias). Quando aparecemos no portal, todos se viraram e olharam para nós. Estavam todos chiquérrimos, pois iria começar um casamento. Morremos de vergonha. Mesmo assim entramos e sentamos, afinal de contas, como poderiam tolher pessoas de entrar numa igreja na noite de natal?

Só depois que sentamos e assistimos a um “piti” do Padre, foi que entendemos que as pessoas olharam para nós não por causa das nossas vestes, mas sim porque a noiva estava atrasada uma hora e meia e qualquer vulto era uma nova esperança do seu comparecimento.

Bem, o padre, que interrompeu minha tentativa de concentração em meio ao choro de pelo menos vinte crianças (contei) que estavam imobilizadas nos seus quentes trajes e nos bancos duros, disse em alto e bom tom que aquilo era um absurdo, pois o casamento já deveria ter terminado meia hora atrás e a igreja já deveria estar pronta para a solenidade mais importante, que era a missa esperada pelos fiéis. Disse que o casamento seria realizado em apenas dez minutos se começasse já e que a noiva fizesse o favor de entrar, senão cancelaria a cerimônia.

Eis que entra a noiva, mancando (acho que o sapato estava apertado) quase arrastada pelo pai. Um provável tio fez sinal com a mão para o “condutor” da noiva, pedindo-lhe que fosse com calma (a moça iria cair).

Chegando enfim ao altar (ninguém pode imaginar o que foi uma solenidade feita como se fosse um disco em alta rotação, com falas inspiradas em Enéas), me surpreendeu a saudação do padre ao noivo (ignorou completamente a noiva). Estava tomado pelo pecado da Ira em pleno altar, na noite de natal. Disse ele:

- “Você é mesmo um herói. Ainda vai querer casar mesmo com ela? A mulher já está lhe fazendo raiva antes de casar, imagine depois. Tem certeza mesmo que quer casar? Vou lhe dar um minuto para você decidir. Mulheres dão muito trabalho aos homens”. Essa última frase sexista, me fez quase me meter na história, de bermuda e tudo, afinal, era um ato público. Mas, esperei a reação pelo menos da mãe da noiva.

Decisão tomada rapidamente pelo noivo, falas meteóricas, alianças quase que jogadas nos dedos, e o padre ainda disse assim: - “Pela sua fala rouca de radinho de pilha, estou vendo que você está mesmo disposto a ir até o fim”.

Quando disse a esperada frase “Eu vos declaro casados até que a morte os separe”, o padre ainda acrescentou:

- Quando se fala que é até que a morte os separe, isso significa que deve ser assim quando há união, compreensão e respeito.

Ou seja: o padre infernizou a noiva durante toda a cerimônia. Saímos logo, antes da bênção final, com medo de que ele jogasse uma saca de arroz na cabeça da noiva.

Mas, o mais importante: ela conseguiu casar em tempo recorde, estava lindinha e com ares de felicidade.

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