domingo, 29 de abril de 2012

13 de maio de 2012 pode ser histórico.

Está chegando o dia 13 de maio, quando comemoramos a nossa primeira abolição da escravatura, ocorrida em 1888.
No dia 13 de maio de 1996, o presidente FHC, através do Ministério do Trabalho apresentou à sociedade, os coordenadores do recém criado Grupo Móvel de fiscalização (eu, Claudia Márcia, Valderez Monte, Thomaz Jemysson, Vera Jatobá e Ivanira) que seriam responsáveis pelos resgates das vítimas da nova escravidão que se propagou sonsamente no país: A peonagem.
Foram muitas lutas, mudanças de cenário e avanços, graças aos grandes mobilizadores sociais, com destaque para a CPT que empreendeu grandes campanhas e estreita vigilância nas ações de Estado.
Ainda no governo de FHC, ao sentir que arrefecia a luta contra o trabalho escravo, a CPT lançou cartões postais que a população deveria endereçar ao Presidente da República, cobrando posturas, como se vê adiante:
Já no governo Lula, a CPT voltou a cobrar mais empenho das várias esferas de poder, incluindo o Poder Legislativo.
Hoje, no governo da Presidenta Dilma, o entendimento geral é que para acelerar o fim dessa luta que já completa 17 anos, só resta uma medida: o confisco das terras que serviram de palco para escravizar trabalhadores.
E assim marchamos, na expectativa de que o Congresso Nacional seja definitivo para a segunda abolição, inspirando-se na luta de sucesso do parlamentar Joaquim Nabuco e assim, marque mais uma vez o dia 13 de maio como um dia histórico de anúncio de boas novas.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Sua excelência, a criança, escreve à governadora do RN.

Caravana do Nordeste contra o Trabalho Infantil.

Parnamirim, 24 de abril de 2012
Excelentíssima Senhora Governadora Rosalba Ciarlini
            Meu nome é Simone Gonçalves Canela, sou participante do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, em Parnamirim, no bairro de Vale do Sol. Represento todos os colegas do meu Estado que participam desse Programa e que tem suas vidas transformadas todo dia. Quero dizer que toda criança e adolescente deve aprender a conviver com o outro, ter uma infância digna e sempre poder sonhar, ter esperança e nunca precisar trabalhar.
            Sonho que todas as crianças e adolescentes possam ter direito a vida, a brincar, a ser feliz, a sonhar. Mas existem muitas crianças e adolescentes que vivem trabalhando em lixões, trabalham catando latinhas, trabalham nos sinais de trânsito, trabalham carregando sacos pesados nas feiras, trabalham em situações que as impedem de estudar, de ser feliz e de sonhar.
            Aqui no Rio Grande do Norte o trabalho infantil ainda continua, mesmo com tanta coisa que foi feita, ainda é preciso fazer mais para acabar com isso. Precisamos de sua ajuda, Senhora Governadora, precisamos de sua ajuda para poder sonhar...
            Nós crianças temos sonhos: sonhamos que um dia se acabe a exploração sexual; sonhamos que toda criança possa ir a uma escola para ter um futuro melhor; Sonhamos que nenhuma criança precise trabalhar na lavoura; sonhamos que toda criança tenha o amor e a atenção de suas mães; sonhamos que a prostituição infantil e a exploração sexual sejam extintas; sonhamos que nunca mais uma criança possa usar drogas e acima de tudo, sonhamos que tudo isso possa virar realidade.
            Queremos construir um futuro melhor, pois queremos chegar à faculdade, queremos ser: advogados, professores, jornalistas, engenheiros, jogadores de futebol, trabalhar com petróleo e gás e também militares. Queremos ajudar nossos pais e ser o orgulho de nossas famílias.
E para terminar, queremos convidá-la para juntos combater e erradicar o trabalho infantil no nosso Estado transformando nossos sonhos em realidade. Excelentíssima Governadora, Rosalba Ciarlini, sabendo que sonhar é possível, vamos sonhar conosco?
Atenciosamente
Simone Gonçalves Canela

domingo, 22 de abril de 2012

Abusar sexualmente de uma criança é o mesmo que roubar-lhe a alma

Sendo hoje parte de uma família italiana, no seio da qual vive meu queridíssimo neto, aprendi a gostar da sua culinária, dos seus costumes, que tanto influenciam a Nação Brasileira. Claro, caí de amores pela sua música, tendo passado a ouvi-la sempre no percurso casa/trabalho.
Os tios-avós, a avó e a mãe do mio bambino, cantam maravilhosamente bem e sempre me põem em contato com diversos estilos. Mas, um cantor especialmente me atraiu, pela forte emoção que empresta às suas músicas: Renato Zero.
Um dia, em plena Via Costeira, ouvia esse artista e aproveitando a presença de Maria Sorrentino, a avó italiana do meu netinho, pedi-lhe que traduzisse o que ele cantava, porque passava um grande sofrimento naquela interpretação da música "Qualcuno".  Como não entendia ainda muito bem o Italiano, achava que ele falava de um amor perdido.
Maria então me explicou o enredo da música, e fiquei estarrecida. Tratava-se da narração do ataque de um pedófilo, exteriorizado por uma indefesa vítima dessa aberração humana.
Inimaginável! Então eu cantava a caminho do meu trabalho, a história de um abuso sexual sofrido por um menininho! Logo eu, que combato a exploração comercial sexual de crianças e adolescentes e também o abuso sexual mesmo não comercial dessa faixa etária.
Dio!
A partir dessa consciência, passei a perder um pouquinho da minha alma também, porque o intérprete nos leva a um mergulho num  “difícil momento do passado” vivido e revivido por milhões de crianças que têm que suportar um adulto no seu corpo em desenvolvimento. Imagine!
Se nem trabalhar em 90 tipos de atividades a criança/adolescente pode, porque aqui no Brasil são consideradas Piores Formas de Trabalho Infantil, vedadas a todos que tenham menos de 18 anos, imagine se poderia, com o aval da Justiça, trabalhar no pior dentre o pior, que é a exploração sexual comercial.
Piorou ainda mais minha impressão sobre aquela magistrada, que absolveu um pedófilo, porque ele pagava a “meninas profissionais do sexo”, portanto, na sua deturpada avaliação, seria excludente de criminalidade.
Ignorância sobre a legislação e tratados internacionais ratificados pelo Brasil? Ignorância sobre os Direitos Humanos, que são universais e indivisíveis? Inexplicável. Lamentável, moralmente condenável.
Ah meu Deus! O menininho da música ganhou uma pipa vermelha, mas perdeu a inocência e a alma. O recebimento de alguma vantagem tirou-lhe a condição de criança? Não! A criança integral que existia até então, foi violentada e no rastro dela, toda a humanidade.
Dio! Alguém devolva a alma dessa magistrada!
Alguém divulgue o vídeo abaixo!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

quarta-feira, 18 de abril de 2012



Abril vermelho.


Ontem, vendo as notícias sobre a chacina de Eldorado dos Carajás, tão marcante no cenário nacional, relembrei meu batismo em terras do Pará, no ano de 1996, ainda no começo do grupo móvel, quando pus meus pés naquele cenário sinistro. Integrava a equipe da colega Claudia Márcia.

Logo ao chegar à Marabá fiquei impressionada com o outdoor que dava as boas vindas aos visitantes. Dizia: Bem vindo a Marabá. Abaixo, quem dava as boas vindas era a Funerária São Francisco. Geralmente, as boas vindas são dadas por hotéis, restaurantes ou outro estabelecimento comercial. Pensei então:

- Meu Deus, eu não quero me hospedar eternamente nesta cidade!

Em seguida, fomos para Xinguara, passando por Eldorado dos Carajás. O comboio parou na estrada e então descobri que estávamos no local onde foram chacinados naquele mesmo ano, os 19 sem terras.

Os policiais nos explicaram como aconteceu, como os trabalhadores ficaram encurralados e mortos. Visão horrível, que só piorava minha impressão do outdoor. O chão era fofo e quente. Meu passeio macabro no meio daquelas cruzes, cheias de velas derretidas, me fizeram entender que estávamos partindo de ameaças veladas para o risco concreto de morte.

O Pará cheirava a morte e impunidade. Tomamos conhecimento sobre a lista negra dos marcados para morrer. Entre eles, o emblemático Padre francês da CPT de Xinguara, Frei Henry de Roziers, que tive a honra de conhecer, amenizando a péssima impressão que me causou aquele estado.

Após entender o panorama da violência do campo - coisa que não fazia parte da minha consciência sobre o Brasil - saímos de madrugada, ainda muito escuro, para flagrarmos um gato perigosíssimo, que batia nos trabalhadores com “panadas” (forma de surrar com o lado plano do facão, que deriva da expressão “planada”).

Teríamos que abordá-lo durante seu sono, porque estava no meio de um desmatamento e portava armas. Ao entrarmos na trilha para o alojamento do gato, fomos surpreendidos por uma densa fumaça de uma queimada. Estava nervosa com a situação de estarmos vulneráveis no campo do inimigo, que poderia ver muito bem nossos faróis, enquanto ele estava encoberto pela escuridão. Foi o momento de maior temor em toda a minha vida móvel.

Paramos à margem da estrada, para estirarmos as pernas, já que as distâncias no Pará são sempre enormes. Faltou fôlego. A fumaça da queimada estava baixa, e o nosso colega médico nos disse:

- Entrem todos nos carros, porque se faltar oxigênio, não vou poder fazer nada por vocês.

E assim, ficamos sozinhos dentro dos carros, no meio da escuridão, enquanto os policiais federais subiram numa camioneta e foram fazer a abordagem ao tal “gato”. Ouvimos os gritos da madeira queimando, uma coisa fantasmagórica.

Quando entramos no acampamento, já amanhecia o dia e vimos a devastação da terra queimada, assim como as indecentes condições dos trabalhadores. Uma coisa incrível.
Alguns trabalhadores dormiam a céu aberto, em redes penduradas nos galhos de árvores ainda de pé. Havia um auxiliar do “gato”, que apelidaram de vampiro, porque tinha apenas os dois caninos. Sua figura combinava com aquele cenário tétrico.

Depois de todos os procedimentos, fomos emitir as Carteiras de Trabalho de todo o grupo e só então, descobrimos que havíamos esquecido a cola para afixar as fotos nas CTPS (foi levado um fotógrafo). Impasse. Sem as fotos coladas e carimbadas com nossa assinatura, não seriam válidas.

Vendo nossa aflição, um trabalhador nos disse:

- Se quiserem, nós fazemos a cola pra vocês.

- Como? Perguntamos.

- Nós fazemos uma cola que prega até solado de bota.

Aceitamos e fomos ver a incrível fórmula: uma bacia com gasolina e uma embalagem de isopor. Quebraram os pedaços da embalagem dentro da bacia e mexeram com um graveto. Pronto! O combustível engoliu em segundos o isopor e ganhamos uma cola cremosa. Assim, as CTPS foram formalizadas, embora o cheiro forte da gasolina tenha nos causado dores de cabeça.

Foi um batismo de fogo, literalmente, minha primeira visita ao Pará. Em um único dia, rodamos mais de 70 quilômetros sem vermos o sol, encoberto que estava por nuvens de fumaça.


Tempo das incontroladas queimadas, dos gigantescos crimes ambientais e dos perversos crimes contra os direitos humanos.

terça-feira, 17 de abril de 2012

" FIGLIO " RENATO ZERO


Depois de ver durante quatro dias a exploração do trabalho de dezenas de crianças no meu estado, posto a bela música de Renato Zero .

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Posto este antigo cartaz de uma campanha para o Mercosul contra o trabalho infantil, porque utiliza uma bricadeira super popular e ao alcance de qualquer criança, que é o PIQUE-COLA, conhecida aqui no Nordeste como brincadeira de TICA. Que bom seria podermos sair por aí "ticando" as crianças trabalhadoras e dizer-lhes:




- Tá livre!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Chega de sutilezas.

Há vinte anos, quando o Brasil assumiu diante da comunidade internacional que tinha sim, milhões de crianças exploradas no trabalho, foi deflagrada no ano seguinte (1993) uma onda de ações para prevenir e erradicar o trabalho infantil.

O Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho da Criança e de Proteção ao Adolescente Trabalhador – FOCA, do RN, que foi o primeiro no Brasil a ser criado após a assinatura do Programa Internacional Para Eliminação do Trabalho Infantil - IPEC - lançou mão de várias estratégias para mobilizar a sociedade e enfrentar esse grave problema laboral, que apesar de violar os direitos fundamentais do ser humano, era bem aceito por todos. Para aguçar a vista, começamos sutilmente a exibir cenas que levassem as pessoas a descobrir de forma lúdica, em que trabalhavam nossas crianças e que tipo de mal isso lhes causava.


Enquanto todos dormiam, Jardim de Piranhas, um pequeno município do estado, grande produtor de redes de dormir, nos tirava o sono. O UNICEF nos socorreu e criou o projeto Jardim Esperança. Publicamos nosso primeiro cartaz.


Depois disso, nos voltamos para os diversos focos de trabalho infantil existentes e publicamos o cartaz onde é mostrado um cidadão deitado numa rede, esperando os amigos para um brasileiríssimo churrasco.



A pergunta que fazíamos diante da imagem acima era a seguinte:


- Onde está o trabalho infantil?


A resposta era simples. Tudo, absolutamente tudo da cena, era fabricado no Brasil pelas mãos de crianças, conforme foi identificado no Mapa do Trabalho Infantil, elaborado pelos auditores fiscais do trabalho.


Descobrimos, numa segunda edição desse Mapa, que novas atividades haviam sido identificadas como focos do trabalho infantil. No novo cartaz, já foi possível colocarmos sutilmente o trabalho infantil doméstico, através das mãozinhas de uma babá segurando um bebê. A cena escolhida foi a de um Reveillon, com a mesma pergunta:



- Onde está o Trabalho Infantil?


A resposta era bem ampla: na pesca da lagosta, na confecção de pegadores e de caixotes, na fabricação de fogos de artifício, na fabricação de bonés, de camisetas, catadores de latinha, na venda de bebidas alcóolicas, pesca, plantação de hortaliças.


Mais alguns anos de sensibilização, outras atividades descobertas e os velhos e desbotados discursos continuavam resistindo: - É melhor estar trabalhando que na rua roubando! Perdemos a paciência e fomos mais explícitos.


Deixamos de perguntar onde estava o trabalho infantil, tão na cara de todo mundo, e fizemos o terceiro cartaz, com a pergunta incisiva: - Onde está você que não vê o trabalho Infantil? Nesse cartaz, apresentamos uma cena mais ampla, urbana, onde todas as pessoas que trabalham são crianças.


Hoje, com menos paciência ainda, estou fazendo um mapa, onde já não há perguntas, apenas uma exclamação, porque finalmente as crianças trabalhadoras respondem, situadas em vários locais do Mapa:



- Estamos aqui!


Acabaram, pois, a sutileza e a ponderação, porque finalmente, a campanha mundial e nacional para o dia 12 de junho, enfocou a questão mais sensata: O trabalho infantil deve ser proibido, porque viola os direitos humanos e impede a Justiça Social. Pronto! Sem mais delongas.


domingo, 8 de abril de 2012



UMA EXPERIÊNCIA INESQUECÍVEL

Em novembro de 2005, a Prefeitura Municipal de Parnamirim/RN realizou um interessante concurso para confecção de uma cartilha sobre o combate ao trabalho infantil. Os participantes não foram técnicos ou militantes dessa área, mas sim as crianças do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI - daquele município. O certame foi pensado após a constatação de que as crianças encontravam-se muito vulneráveis socialmente, devido à situação de exclusão social das suas famílias. Concluiu-se que aquelas crianças necessitavam de um resgate cultural e educacional para que elas pudessem ter sua identidade e a sua autoestima construídas, além de despertá-las para o espírito esportivo e o trabalho em equipe.

Comentário:

Na condição de uma das integrantes da comissão julgadora que examinou esse concurso, quero registrar as seguintes observações:

Pude observar a dificuldade imensa que teve o grupo de crianças de determinado núcleo, para criar um texto que fosse além de um relato da sua dura realidade de trabalhador sem infância. Esses sequer fizeram ilustrações na cartilha, limitando-se a escrever cartas-denúncias (sem esta intenção) sobre a negligência e crueza com que são tratados pela família, comunidade, sociedade e governos.

Impossível para essas crianças construírem qualquer coisa que não tenha como matéria prima sua limitada visão sobre o mundo e sobre a própria infância, cuja criatividade agora checada, foi aprisionada pelo trabalho.

A cartilha campeã, do Núcleo Vale do Sol, foi perfeita em tudo: teve a melhor capa, com o desenho de uma criança roçando, constando como título: Trabalho infantil “isso é coisa de adulto”.

A autora – Jéssica Emanuele - de nove anos de idade - descreveu as agruras do trabalhador infantil no campo (locus do maior contingente de crianças trabalhadoras no Brasil), numa revista em quadrinhos com desenhos que denotam talento para a comunicação. A autora desenhou até o acidente de trabalho sofrido com a foice por um menino cortador de cana, desnudando a falta de socorro do acidentado que sai em busca da mãe gritando que vai morrer, sendo levado por ela para o hospital e não pelo pai que o acompanhava no trabalho.

Foi dado destaque à indiferença do atendimento hospitalar, exigindo-se dinheiro e na sua falta, não atenderam a criança vitimada. A narração continua com a mãe buscando o governo, cuja agente expede a ordem de atendimento, concluindo a história com o encaminhamento da criança já medicada ao PETI, pela assistente social que autorizou o atendimento hospitalar.

A criança, feliz, conclui que finalmente poderá comer sem ter que trabalhar.

Esse exercício deveria ser copiado por todos os municípios do país. Ao examinarmos os textos e desenhos feitos por crianças que foram tiradas do mundo do trabalho, pudemos ver claramente a aflição dessas crianças, o que pensam sobre isso e não apenas aquelas impressões que todos têm sobre a "satisfação" delas por estarem ajudando em casa.

As cartilhas foram denúncias legítimas de uma infância explorada, seja por seus pais ou por empregadores inescrupulosos. Foi uma lição muito clara para mim e extremamente constrangedora, porque tive acesso a ela um dia depois que a OIT divulgou a notícia de que ainda passaríamos no mínimo dez anos sem solucionarmos esse triste problema social no Brasil.

Concluí que o PETI, que já foi diluído no Programa Bolsa-Família e recentemente no Programa Brasil Sem Miséria, apesar de tantas críticas que já sofreu, ainda é a referência para reedificar crianças que tiveram tolhida sua criatividade pelo trabalho.

Esse espaço, tenha o nome que tiver, precisa ser aprimorado e compensando com uma inundação de estímulos para recriar as etapas perdidas. Ou seja, a jornada ampliada (que hoje se chama Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, com a criação do Programa Bolsa-Família), tem que recuperar e nivelar o potencial das crianças oriundas do mercado de trabalho, a fim de que elas possam acompanhar a cabeça viajante das demais crianças sem experiência laboral, que freqüentam a escola.

Infelizmente, a previsão feita pela OIT na época desse certame se confirmou. O Brasil se comprometeu a erradicar apenas as suas Piores Formas de Trabalho Infantil até o ano de 2015, formas essas, indicadas no Decreto nº 6.481 de 2008. E somente em 2020, nosso país está comprometido com a erradicação de todas as formas de trabalho infantil.

O espaço lúdico para crianças inseridas nesses programas de geração de renda e de combate à pobreza precisa ser valorizado, se queremos de fato, cumprir tais compromissos perante a comunidade internacional.

Para vencer o provável caminho da exclusão, as crianças trabalhadoras precisam que todos entendam seus exemplos, seus receios, suas inseguranças e sentimento de pequenez diante das outras crianças que só estudaram. Nesse turno especial, já fortalecidas na sua autoestima e alimentadas, poderão dar sequência à sua jornada de cidadania, freqüentando a escola com as demais.

Assim, se sentirão incluídas no mundo escolar e não crianças com menos inteligência, como são ainda tratadas, sendo esta a maior razão da evasão da escola e não somente o cansaço, como se costuma crer.

Uma das autoras das cartilhas desenhou a si mesma com orelhas de burro na escola. A criança trabalhadora se torna realmente “menor”, porque seu crescimento físico e intelectual são tolhidos pelo trabalho e postos em destaque pelos “educadores deseducados”.

Em Jardim de Piranhas/RN, há anos atrás, quando o Promotor Público obrigou os pais a matricularem e acompanharem o rendimento escolar dos filhos retirados do trabalho, essa autoridade teve que determinar a contratação de um psicólogo pela prefeitura para auxiliar as crianças egressas do trabalho, as quais tinham ataques de pânico e vômitos, ao chegar a hora de ir à escola.

Voltando ao certame das cartilhas, verificamos que um número expressivo de crianças descreveu trabalhos em semáforos (flanelinhas e malabaristas), mostrando a vulnerabilidade de serem abordadas por motoristas inescrupulosos que prometiam levá-las para algo “legal” e levavam-nas para o trabalho em fábricas, descrito pelas crianças como escravidão.

Nos desenhos, elas gritavam em coro por socorro. As vias públicas, no seu ideário, representam o espaço de liberdade, porque ficam sob as vistas, embora grossas, de todos os passantes.

Mais de uma criança fez cartilha descrevendo o trabalho de carvoeiro (um deles só usou lápis preto em seus desenhos. Ficou bem patente a negritude do seu dia-a-dia). Um dos títulos de cartilha que enfocou carvoaria foi: “João em busca da liberdade”. A capa dessa cartilha era um desenho com grafite exibindo uma criança toda suja de carvão, com uma pá na mão, atravessando um portal, como se fora uma guarita de uma prisão.

Pensávamos que a exploração sexual não seria mencionada, mas o foi em duas cartilhas, dentre elas uma de cordel, na qual um menino falava de uma amiguinha que ia para os caminhões cheirar pó para vender o corpo e juntar dinheiro para ser modelo. Ou seja: para encarar a situação de ter um adulto no corpo de uma criança, precisava estar drogada.

Não houve uma única cartilha que abordasse o trabalho doméstico. Esse fato, para mim, só denotou a total inacessibilidade a essas crianças, que diferentemente das demais trabalhadoras, encontram-se encasteladas nas residências protegidas dos patrões domesticadores.

Muitas cartilhas mostraram a total vulnerabilidade da criança explorada. Na maioria das histórias havia sempre uma autoridade intervindo para libertá-la dos próprios pais. Um menino relata a sua história de espancamentos pelo pai que o obrigava a trabalhar e quando não trazia dinheiro para casa, dormia fora, como um cachorro. Estando ferido e sujo, não conseguia no dia seguinte vender os bolos porque as pessoas tinham nojo da sua figura. Voltava sem dinheiro, apanhava e dormia fora de novo. A cartilha dessa criança terminava com um final feliz (seu sonho, evidentemente): depois do PETI e da escola, ele se tornava médico e tratava as feridas do pai.

Esse salutar exercício de cidadania me deu novas forças para continuar sendo uma tenaz lutadora contra a exploração de crianças no trabalho.

Marinalva Cardoso Dantas
Coordenadora do FOCA/RN

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O mais importante ao adquirir conhecimentos, é o que você faz com eles.

E pessoas brilhantes, usam brilhantemente tudo o que aprendem, construindo em cima deles, mais conhecimentos. Com isso,ajudam a entender e mudar situações indesejadas. Tais pessoas são como faróis, que iluminam o caminho dos navegadores, evitando que se despedacem nas rochas.

Os bons jornalistas são assim: arriscam-se, e por isso mesmo, vêem o que ninguém vê e generosamente, expõem suas descobertas, no intuito de melhorar o mundo. Leonardo Sakamoto é um exemplo disso, ferindo os pés nas pedras para mostrar onde o comboio que vai em busca de escravos deve passar, sem cair da ponte coberta pelo rio, ou então, deixando as mãos em carne viva por descer de vez numa mina de caulim, em busca de mineiros, em risco total de desabamento. Resultou dessa incursão, a reportagem - Os homens tatus - contemplada com o prêmio Vladimir Herzog.

Marcelo Canellas é outro iluminado, que vivenciou dias tenebrosos com um grupo de escravos. Não só fez a melhor reportagem do ano, premiada pela EMBRATEL, após sua exibição no Programa Fantástico, mas, irresignado com o que viu, passou a fazer palestras e escrever textos belíssimos sobre a escravidão contemporânea no Brasil. Escolhi para hoje, o texto da sua autoria, belo, como sua visão das coisas, intitulado Silêncio e trabalho escravo. Ousei ilustrá-lo com fotos das minhas lentes, e dos arquivos de colegas de equipe. Espero que sejam tão expressivas como as palavras do notório jornalista.



SILÊNCIO E TRABALHO ESCRAVO

A constituição brasileira os protege. E, no entanto, à noite, em jejum, eles dormem em currais, dentro dos cochos empapados pela baba do gado que durante o dia se farta do sal comprado pelo patrão. Porque só fazendo do prato do boi do patrão o seu leito de dormir é que os escravos modernos podem descansar.

O código penal os protege. E no entanto, eles trabalham muitas vezes sob a mira de trabucos empunhados por jagunços que só obedecem à lei do patrão, cuja pena sumária se aplica a todos os que cometeram o crime de terem nascido pobres.

A convenção mundial dos direitos humanos os protege. E no entanto só lhes é concedido o direito de contrair dívidas impagáveis que os amarram aos grilhões do compromisso imposto pela aritmética perversa que transforma os créditos dos trabalhadores em débitos a favor do patrão.



A legislação trabalhista os protege. E no entanto os escravos modernos só vêem uma carteira de trabalho quando têm a sorte de serem libertados pela polícia federal e pelos auditores fiscais





E aí nem mesmo os mais rudimentares sentimentos de compaixão e comiseração os protegem porque a despeito de toda a pena que sentimos ao ver camponeses maltrapilhos sendo libertados da escravidão, eles continuam a ser recrutados a cada temporada de desmate, a cada época de roçar, a cada colheita de cana, num interminável círculo vicioso.



Por que será que o direito formal não consegue se aproximar da vida cotidiana desses trabalhadores? Será porque os donos das fazendas que são tocadas a trabalho escravo chegam de avião, especulam na bolsa e só se manifestam na presença de seus advogados?


Será porque os escravos modernos andam de pau-de-arara, nem sequer imaginam que estão sendo escravizados, nem nunca viram um rábula que fosse?


Difícil aplicar a lei quando se tem, de um lado, a hiper-concentração de terras que temos e, de outro, a pobreza extrema que nos envergonha. É essa equação que rega as raízes culturais do escravismo. O explorador acha que é legítimo explorar, afinal, ele é o dono, ele é o chefe, ele é o patrão.

Chegarmos a essa barbárie pré-capitalista é algo tão injustificável quanto fechar os olhos, quanto virarmos de costas, para, cinicamente, lamentarmos quando aparece uma nova denúncia de trabalho escravo.




Sociedade omissa é sociedade conivente. Gritemos. Nunca se fez justiça social em silêncio.

Marcelo Canellas.


Posto hoje a bela mensagem de Páscoa dos abnegados membros da CPT de Xinguara/PA, pessoas que defendem os direitos humanos dos mais desvalidos, tornando real o sonho de liberdade para muitos. Ao fim, a versão original italiana do mesmo poema.


E...


Boa Páscoa para todos.


Henri, eu e Aninha




Queridos amig@s e companheir@s,

“Se o Filho vos libertar, vocês realmente ficarão livres” Jo 8,36

Quando cantas, canto contigo liberdade
Quando choras, choro também tua dor
Quando tremes, oro para ti, liberdade
Na alegria ou nas lágrimas, te amo
Lembre-te dos dias de tua miséria
Meu país, teus barcos eram galeras
Quando cantas, canto contigo liberdade
E quando es ausente, espero
Quem és tu? Religião ou realidade?
Uma ideia de um revolucionário?
Eu creio que tu es a única verdade
A nobreza da nossa humanidade
Entende que morresse para te defender
Que passasse sua vida a te esperar
Quando cantas, canto contigo, liberdade
Nas lágrimas ou nas alegrias, te amo
As canções da esperança têm teu nome e tua voz
O caminho da história nos leva à ti, liberdade, liberdade !

Canto contigo liberdade
Poema e canção de Nina Mouskouri
(tradução do francês)


Equipe da CPT Xinguara:
Frei Henri, Aninha, Cristiane, Ir.Marilande,Nilson Júnior, Paulo e Poliana




VERSÃO ORIGINAL EM ITALIANO
Va’, pensiero, sull’ali dorate
Va’, ti posa sui clivi, sui colli,
Ove olezzano tepide e molli
L’aure dolci Del suolo natal!
Del Giordano Le rive saluta,
Di Sionne Le torri atterrate...
Oh mia patria sì bella e perduta!
Oh membranza si cara e fatal!
Arpa d’or dei fatidici vati,
Perché muta dal salice pendi?
Le memorie nel petto raccendi,
Ci favella Del tempo Che fu!
O símile di Sòlina ai fati
Traggi um suono de crudo lamento,
O t’ispiri Il signore um concento
Che ne infoda al patire virtú.

quinta-feira, 5 de abril de 2012


Em tempo de Páscoa, que lembra a paixão e o assassinato de Cristo, seguidos da sua ressurreição, posto um texto que escrevi numa véspera de Natal, também importante data da cristandade, para mostrar que humildade, solidariedade e compaixão são sempre esperadas de quem professa a fé em Cristo.

O PADRE

Num desses anos, fui à Igreja com a minha filha para rezarmos e ficarmos bem integradas com aquele bebezinho que nasceu em 25 de dezembro. Como toda praiana, estávamos em trajes típicos de orla (bermudas, camisetas, sandálias). Quando aparecemos no portal, todos se viraram e olharam para nós. Estavam todos chiquérrimos, pois iria começar um casamento. Morremos de vergonha. Mesmo assim entramos e sentamos, afinal de contas, como poderiam tolher pessoas de entrar numa igreja na noite de natal?

Só depois que sentamos e assistimos a um “piti” do Padre, foi que entendemos que as pessoas olharam para nós não por causa das nossas vestes, mas sim porque a noiva estava atrasada uma hora e meia e qualquer vulto era uma nova esperança do seu comparecimento.

Bem, o padre, que interrompeu minha tentativa de concentração em meio ao choro de pelo menos vinte crianças (contei) que estavam imobilizadas nos seus quentes trajes e nos bancos duros, disse em alto e bom tom que aquilo era um absurdo, pois o casamento já deveria ter terminado meia hora atrás e a igreja já deveria estar pronta para a solenidade mais importante, que era a missa esperada pelos fiéis. Disse que o casamento seria realizado em apenas dez minutos se começasse já e que a noiva fizesse o favor de entrar, senão cancelaria a cerimônia.

Eis que entra a noiva, mancando (acho que o sapato estava apertado) quase arrastada pelo pai. Um provável tio fez sinal com a mão para o “condutor” da noiva, pedindo-lhe que fosse com calma (a moça iria cair).

Chegando enfim ao altar (ninguém pode imaginar o que foi uma solenidade feita como se fosse um disco em alta rotação, com falas inspiradas em Enéas), me surpreendeu a saudação do padre ao noivo (ignorou completamente a noiva). Estava tomado pelo pecado da Ira em pleno altar, na noite de natal. Disse ele:

- “Você é mesmo um herói. Ainda vai querer casar mesmo com ela? A mulher já está lhe fazendo raiva antes de casar, imagine depois. Tem certeza mesmo que quer casar? Vou lhe dar um minuto para você decidir. Mulheres dão muito trabalho aos homens”. Essa última frase sexista, me fez quase me meter na história, de bermuda e tudo, afinal, era um ato público. Mas, esperei a reação pelo menos da mãe da noiva.

Decisão tomada rapidamente pelo noivo, falas meteóricas, alianças quase que jogadas nos dedos, e o padre ainda disse assim: - “Pela sua fala rouca de radinho de pilha, estou vendo que você está mesmo disposto a ir até o fim”.

Quando disse a esperada frase “Eu vos declaro casados até que a morte os separe”, o padre ainda acrescentou:

- Quando se fala que é até que a morte os separe, isso significa que deve ser assim quando há união, compreensão e respeito.

Ou seja: o padre infernizou a noiva durante toda a cerimônia. Saímos logo, antes da bênção final, com medo de que ele jogasse uma saca de arroz na cabeça da noiva.

Mas, o mais importante: ela conseguiu casar em tempo recorde, estava lindinha e com ares de felicidade.

Quando coordenadora de operações de resgate das pessoas submetidas à escravidão (formas análogas), respondi a seguinte questão:


-Qual sua avaliação da cobertura da mídia em relação a escravidão?

Hoje posso dizer que a mídia presta um serviço relevante à causa, inclusive provou a todos que o trabalho escravo contemporâneo existe.


Graças a Jonas Campos, jornalista aguerrido que acompanhou a incursão de uma equipe do Grupo Móvel em Tucumã/PA, as cenas que tanto víamos e que até então eram negadas por todos, chegaram às casas dos brasileiros, após o jantar, no Jornal Nacional. Coordenava essa operação, a histórica Valderez Monte.


Valderez e sua equipe, na histórica operação de resgate.

A viagem desse jornalista, em 1997, rendeu quatro episódios, todos chocantes. Antes disso, não éramos acreditados nem pelos juízes do Trabalho, o que mudou muito, tendo sido criadas até as Varas Itinerantes e importantes Varas do Trabalho em cidades estratégicas, levando a Justiça aos locais longínquos, aproximando-a dos fatos que entendia inexistentes.

Mas, como toda exposição excessiva, as pessoas vão se cansando do assunto, como aconteceu com o trabalho infantil, provocando uma “fadiga humanitária”, um cansaço de ver repetidos e insanáveis problemas. Há mais de dezesseis anos que se vê combate/exploração/ combate/exploração/ combate/exploração e cadê a prometida ERRADICAÇÃO?

Talvez seja o momento da mídia inovar na cobertura, pegando um caso simbólico, como por exemplo, o do trabalhador que foi surrado com uma corrente, baleado, torturado, lá no Mato Grosso. O MPT pediu na Justiça do Trabalho uma indenização por danos morais de mais ou menos 60 mil Reais e o corajoso Juiz João Humberto, diante dos agravos sofridos pelo pobre homem, sentiu que a sociedade foi duramente agredida com tal desrespeito humano e surpreendentemente, julgou “ultra petita” (além do pedido).

Majorou a indenização para um milhão de Reais, o que foi confirmado pelo Tribunal Regional do Trabalho, chancelando uma ação impensável até então, para a Justiça do trabalho. A história desse rapaz poderia ser muito divulgada, usando recursos gráficos como foram usados pelos peritos no caso da menininha Isabela, demonstrando os danos físicos e sofrimento causados pela ação de uma pessoa que se deu o direito de ser dono de um ser humano, da sua vida e da sua liberdade. Uma lição para os que defendem os direitos humanos.

Essa postura do inovador Juiz me fez lembrar uma frase que ouvi de Dalmo Dalari, que presidiu a OAB, numa palestra que proferiu em Fortaleza. Ele disse que ninguém é pequeno para lutar por direitos humanos.

Segundo ele, toda pessoa pode fazer alguma coisa em defesa desses direitos inerentes à pessoa humana, mesmo que as forças a serem enfrentadas sejam desmedidas. E relatou sua experiência como perito da ONU ao visitar a Índia, para fazer um relatório sobre o respeito aos direitos humanos em Caschemire, visando responder ao pedido do referido país que pretendia fazer parte de uma seleta comissão daquele organismo internacional. O parecer de Dalmo Dalari foi desfavorável à Índia.

O Ministro daquele país deslocou-se até o Brasil para convencer o jurista a mudar seu relatório. Dalmo respondeu-lhe:

- Não negocio sobre direitos humanos.

Disse-nos ele, na sua palestra:

- Quem era eu, o cidadão Dalmo Dalari, para mover um importante ministro, de um país com bomba atômica, que atravessou os mares para pedir que mudasse minha convicção? Era alguém muito grande, porque estava defendendo direitos humanos.

Não sabe o eminente jurista, que me deu coragem para não me sentir pequena diante das descomunais forças que mantêm a escravidão contemporânea no nosso país.

Pois bem, a mídia, essa força gigante, deveria também dar mais enfoque ao momento da partida, do flagrante de aliciamento, quando o cidadão ainda pode ser salvo da escravidão, embora já tenha ocorrido esse outro crime, o aliciamento. O trabalhador já terá nesse instante, uma dívida que será cobrada mais na frente (fretamento do ônibus e agora até passagens aéreas, abono que deixou pra família, conta paga na bodega).

Se isso for mostrado, a população ficará indignada e não feliz com a presença de um sujeito bem vestido, aparentando opulência, que vem prometer salários exorbitantes a pessoas pobres e famintas e sem capacitação profissional.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Um mistério em minha vida


Atendendo a convite da minha colega Valderez Monte, lendária coordenadora do Grupo Móvel do MTE, integrei sua equipe numa ação no sul do Pará, apurando a denúncia de um escravo fugido, o qual declarou à polícia em Fortaleza, que fugira de uma fazenda depois de espancado e saiu vomitando sangue.

Esse trabalhador descreveu inúmeros ilícitos penais que ocorriam naquela propriedade e essa operação era considerada de alto risco para todos nós, tanto, que Valderez só me contou os detalhes da denúncia pessoalmente, quando cheguei ao Pará.

Estávamos acompanhados de uma equipe da TV Globo que se habilitou junto ao MTE, dada a gravidade da denúncia. Já havia decisão do antigo Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado – GERTRAF – de que a imprensa deveria ter acesso às operações, quando solicitasse, porque se tratava de assunto ligado aos direitos humanos e toda a sociedade tinha o direito de saber o que acontecia nessas abordagens.

Valderez comandava a operação e eu ouvia atentamente quando ela questionava o gerente sobre as condutas naquela fazenda.

O gerente então olhou fixamente pra mim e disse:

- A gente já sabia que a Sra. vinha, porque seu pai nos disse que ia trazer a senhora.

- Do que o senhor está falando? Perguntei, espantada, pois meu pai já havia falecido e pensei se ele havia baixado em espírito naquele local. Ele então chamou a sua esposa e perguntou na frente de todo mundo:

- Essa não é a filha de fulano? (referia-se ao denunciante).

- Sim, respondeu a mulher. É ela mesma que estava na foto que ele nos mostrou, dizendo que era a filha dele, que era fiscal do Ministério do Trabalho e que viria libertar ele.

Ficamos espantados, e os colegas riram da situação inusitada.

- Vocês são loucos, disse eu.

- Não, não, é a senhora mesmo. Ele disse até seu nome: Marinalva. A estória era espantosa. Um escravo tem uma filha que é coordenadora do grupo móvel e ela leva uma equipe para fazer justiça ao pai, ex escravo, fugitivo e denunciante.

- Indique para a Rede Globo, falei para o jornalista. É assunto para novela.

Brinquei na hora, mas, até hoje fico pensando por que teria ele inventado aquela estória, se eu nem sequer era coordenadora da operação? Por que não foi com Valderez, que naquela época era a coordenadora dos resgates no Pará? Esse é um mistério que nunca decifrei, já passados 12 anos do estranho episódio, uma vez que não estivemos com o denunciante.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O título da poesia que vem abaixo é “Brasil”.

Trata-se de uma paródia ao Hino Nacional Brasileiro, feita por uma menina de 13 anos de idade, de Guanambi, na Bahia. O poema foi premiado com menção honrosa no concurso Poesia Viva e sua autora, Maria Laranjeira Scolaro, recebeu o troféu das mãos do presidente Fernando Henrique Cardoso, no Itamarati, em 1996.

O meu colega, poeta e ator Rubervam du Nascimento, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no PI, recitou e tornou vivo este poema, de uma forma magistral e tocante.

Conhecedor da realidade da infância sofrida que trabalha, ele fez essa interpretação em Natal, para encerrar um seminário Norte-Nordeste sobre trabalho infantil.

Lamentavelmente, um assessor do Ministro do Trabalho, daquela época, sem saber que o próprio presidente havia premiado a criação, disse ao referido ministro que um Fiscal do Trabalho havia ultrajado o Hino e a Bandeira Nacionais e pediu providências.

Rubervam vestiu-se do que a sociedade chama de “pivete”, termo discriminatório para uma criança ou adolescente em situação de risco social.

A sua performance se deu quando acenderam as luzes, após ouvirmos no escuro a música “Brasil”, interpretada por Cazuza. Um momento inesquecível para os colegas da Região Norte e do Nordeste que estiveram presentes naquele ano de 1996.

Abaixo, o texto premiado:

A LETRA DA PARÓDIA

Ouviram do Ipiranga
Em suas margens imundas
De um povo pobre, fraco e sofredor,
Um grito de “socorro”
E o sol nos cinzentos céus
Brilha quase sem cor
Se o preço para sermos iguais
Não conseguimos conquistar com braço forte
Não desafiaremos nosso peito à própria morte
Ó! Pátria desgraçada!
Salvem-nos, salvem-nos!
Brasil em pesadelo, um relâmpago,
De fome e de guerra à terra desce
Se em teus céus cinzentos, cheios de fumaça
A imagem de uma fábrica aparece
Gigante pela destruição da natureza
És pobre, fraco e temes viver
E em teu futuro só existirá medo
Terra imolada,
Entre outras mil,
Estás tu, Brasil,
Pátria acabada
Dos filhos deste solo és mãe desnaturada
Deitados no banco da praça
Ao som de buzinas de carro
Figuras de um Brasil desabrigado
Sem cama e sem coberta
Do que na terra mais se acredita
É num Brasil cheio de amor e de esperança
Cheio de cor, cheio de vida,
Cheio de sonhos, cheio de crianças,
Ó! Pátria desgraçada!
Salvem-nos, salvem-nos!
Brasil sem nada de eterno seja símbolo
De esperança e de paz para o futuro
E mostra o que tu podes fazer
Pois, se nada fazes pelo teu povo
Verás que teu filho sufocado pela luta
Teme, sofre até morrer
Brasil, eu te amo
Apesar de tudo, eu te amo
E digo:
Terra adorada
Entre outras mil
És tu, Brasil
Ó Pátria amada
Dos filhos teus serás um dia a mãe gentil
Pátria amada,
Brasil