sexta-feira, 6 de abril de 2012

O mais importante ao adquirir conhecimentos, é o que você faz com eles.

E pessoas brilhantes, usam brilhantemente tudo o que aprendem, construindo em cima deles, mais conhecimentos. Com isso,ajudam a entender e mudar situações indesejadas. Tais pessoas são como faróis, que iluminam o caminho dos navegadores, evitando que se despedacem nas rochas.

Os bons jornalistas são assim: arriscam-se, e por isso mesmo, vêem o que ninguém vê e generosamente, expõem suas descobertas, no intuito de melhorar o mundo. Leonardo Sakamoto é um exemplo disso, ferindo os pés nas pedras para mostrar onde o comboio que vai em busca de escravos deve passar, sem cair da ponte coberta pelo rio, ou então, deixando as mãos em carne viva por descer de vez numa mina de caulim, em busca de mineiros, em risco total de desabamento. Resultou dessa incursão, a reportagem - Os homens tatus - contemplada com o prêmio Vladimir Herzog.

Marcelo Canellas é outro iluminado, que vivenciou dias tenebrosos com um grupo de escravos. Não só fez a melhor reportagem do ano, premiada pela EMBRATEL, após sua exibição no Programa Fantástico, mas, irresignado com o que viu, passou a fazer palestras e escrever textos belíssimos sobre a escravidão contemporânea no Brasil. Escolhi para hoje, o texto da sua autoria, belo, como sua visão das coisas, intitulado Silêncio e trabalho escravo. Ousei ilustrá-lo com fotos das minhas lentes, e dos arquivos de colegas de equipe. Espero que sejam tão expressivas como as palavras do notório jornalista.



SILÊNCIO E TRABALHO ESCRAVO

A constituição brasileira os protege. E, no entanto, à noite, em jejum, eles dormem em currais, dentro dos cochos empapados pela baba do gado que durante o dia se farta do sal comprado pelo patrão. Porque só fazendo do prato do boi do patrão o seu leito de dormir é que os escravos modernos podem descansar.

O código penal os protege. E no entanto, eles trabalham muitas vezes sob a mira de trabucos empunhados por jagunços que só obedecem à lei do patrão, cuja pena sumária se aplica a todos os que cometeram o crime de terem nascido pobres.

A convenção mundial dos direitos humanos os protege. E no entanto só lhes é concedido o direito de contrair dívidas impagáveis que os amarram aos grilhões do compromisso imposto pela aritmética perversa que transforma os créditos dos trabalhadores em débitos a favor do patrão.



A legislação trabalhista os protege. E no entanto os escravos modernos só vêem uma carteira de trabalho quando têm a sorte de serem libertados pela polícia federal e pelos auditores fiscais





E aí nem mesmo os mais rudimentares sentimentos de compaixão e comiseração os protegem porque a despeito de toda a pena que sentimos ao ver camponeses maltrapilhos sendo libertados da escravidão, eles continuam a ser recrutados a cada temporada de desmate, a cada época de roçar, a cada colheita de cana, num interminável círculo vicioso.



Por que será que o direito formal não consegue se aproximar da vida cotidiana desses trabalhadores? Será porque os donos das fazendas que são tocadas a trabalho escravo chegam de avião, especulam na bolsa e só se manifestam na presença de seus advogados?


Será porque os escravos modernos andam de pau-de-arara, nem sequer imaginam que estão sendo escravizados, nem nunca viram um rábula que fosse?


Difícil aplicar a lei quando se tem, de um lado, a hiper-concentração de terras que temos e, de outro, a pobreza extrema que nos envergonha. É essa equação que rega as raízes culturais do escravismo. O explorador acha que é legítimo explorar, afinal, ele é o dono, ele é o chefe, ele é o patrão.

Chegarmos a essa barbárie pré-capitalista é algo tão injustificável quanto fechar os olhos, quanto virarmos de costas, para, cinicamente, lamentarmos quando aparece uma nova denúncia de trabalho escravo.




Sociedade omissa é sociedade conivente. Gritemos. Nunca se fez justiça social em silêncio.

Marcelo Canellas.

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