segunda-feira, 19 de março de 2012


Relendo Montesquieu

Durante décadas, cometi um grande equívoco de interpretação, depois de ler o "Espírito das Leis", do consagrado Montesquieu, ou Charles-Louis de Secondatt, ou ainda, Charles de Montesquieu, o influente iluminista francês.

Sabia desde a faculdade de Direito, que Montesquieu havia influenciado as Constituições de muitos países pela sua visão humanitária. Como, humanitária???? (perguntava eu). Como pode ser humanitário um homem que duvida até que um negro tenha alma? E fiquei injuriada com Montesquieu, guardando essas impressões até 2004, quando o critiquei para o jornalista francês, Julien Farrugia.

Vergonha...

Ele me perguntou:

- De quem foi essa tradução? Esse tradutor com certeza não conhece o estilo de Montesquieu nem seu pensamento, porque limitou-se a fazer a interpretação literal do texto ( o mesmo que eu fiz).




Segundo Julien, que me acompanhava em uma ação do grupo móvel no Pará, os franceses sabem que Montesquieu tinha um estilo irônico, satírico e todos compreenderam a crítica dele a essa linha de pensamento racista. Assim, depois de discorrer brilhantemente que o homem é livre por natureza, tendo embasado seu pensamento muito bem, passou a dizer que o negro, este sim, era escravo por natureza, porque tinha o nariz muito achatado...e blá blá blá...

Essa forma de dizer tamanho absurdo era exatamente para ironizar o pensamento dos medíocres da época, que pensavam assim. Ao contrário do que ele dizia, quando discorria sobre a natureza livre do homem, com profundidade, não utilizou um argumento plausível que justificasse a escravização dos negros, para mostrar que simplesmente não existia.

Em vez de recriminar ou combater o pensamento dos soberbos europeus, ele expressou com veemência o que eles pensavam, pondo em destaque a sandice de tal posição.

A verdadeira argumentação nunca dita claramente pelos que apoiavam essa exploração ele revela somente ao final, dizendo: "Como os europeus poderiam cuidar de tantas terras nas Américas, se não escravizassem os africanos, uma vez que mataram todos os índios?” (e aqui ele denunciava algo mais odioso, mostrando como o 1º mundo, tão evoluído, era bem selvagem, desumano até, com os povos dos outros continentes).

Bem, como também estou me expressando de forma escrita - ou digitalizada - é possível que tenha deixado o leitor na mesma, pois faltaram as expressões faciais, a entonação, a paixão, que podem transformar até carinho em agressão, dependendo de como "se fala" qualquer coisa.

A língua escrita não traz a emoção, o verdadeiro espírito do texto e se for traduzido de outra língua, então... Mas, enfim, como ouvi de "viva voz" as explicações e vi o "aperreio" do francês por eu ter entendido errado Montesquieu, reli tudo e me convenci de que o pensador estava bem além da minha visão, limitada pelo tradutor e pelo meu orientador de então.


Marinalva Cardoso Dantas


Auditora Fiscal do trabalho

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