sábado, 19 de maio de 2012

Para não esquecer 22 de maio

Passado mais um dia (18 de maio) em que precisamos lembrar de combater firmemente a exploração sexual de crianças e adolescentes, volto minhas preocupações para o dia 22 de maio, quando será posta em votação a PEC do Trabalho Escravo.

Um bom momento para a leitura da fala do Presidente Fernando Henrique Cardoso, feita na rádio, ao anunciar a criação do Grupo Móvel do MTE e do GERTRAF (antecessor da CONATRAE), que seriam incumbidos dos resgates desses milhares de escravos que foram e continuam sendo libertos, incessantemente.

Interessante, porque histórica essa fala e por revelar a visão daquele momento, quando trabalho escravo e trabalho degradante eram tidos como coisas distintas - e hoje são a mesma coisa, por força da alteração do Código Penal. Os fatos mais uma vez foram fontes do Legislativo. 

Interessante também por mostrar o "mapa" que tínhamos na época, das irregularidades que iríamos tratar, nelas incluídas a exploração do trabalho infantil.

Dezessete anos já passados desse pronunciamento, os brasileiros já têm dados suficientes para saber como operam os escravizadores, quem são suas vítimas, onde estão seus cativeiros, onde e como são aliciados. Já temos um depois para os libertos, mas, chega de protelação.

Joaquim Nabuco, então deputado e grande mobilizador da primeira abolição, ao mergulhar na causa, conseguiu em dez anos a assinatura da Lei Áurea. Ressalto, que ter escravos então, era uma conduta legal e moralmente tolerada.

Por que hoje, que a escravização de pessoas é totalmente fora da Lei, os deputados arrastam por quase duas décadas essa situação, quando a expropriação de terras teria o mesmo peso da pena da Princesa Isabel?

Com vocês, a fala nº 09 do Presidente FHC:  

PALAVRA DO PRESIDENTE 9
(TRABALHO ESCRAVO – 27/06/95)

Em 1888, a Princesa Isabel assinou a famosa Lei Áurea, que deveria Ter acabado com o trabalho escravo no país. Digo deveria, porque infelizmente não acabou. Ainda existem brasileiros que trabalham sem liberdade. Só que antigamente os escravos tinham um senhor. O escravo do Brasil moderno troca de dono e nunca sabe o que o espera no dia seguinte. É sobre essa triste realidade que eu quero conversar com você hoje.

As denúncias sobre o assunto são muitas. Mas, é preciso deixar bem claro o que é trabalho escravo: o trabalho escravo é aquele que tira a liberdade de ir e vir do trabalhador. Isso acontece principalmente no sul do Pará. Mais de 80% das denúncias que chegam ao Ministério do Trabalho são do Pará. Em fazendas que fazem desmatamentos, por exemplo, o trabalhador-escravo é vigiado 24 horas por dia por jagunços muito bem armados. Além disso, é obrigado a comprar do dono da fazenda tudo que precisa pra sobreviver. Na maioria das vezes, não sabe nem o preço dos produtos que compra. Aí o que acontece é o seguinte: a dívida vai aumentando, não recebe nada no fim do mês e é obrigado a continuar trabalhando pra pagar a dívida.

Outros tipos de denúncias chegam ao Ministério do Trabalho, mas não podem ser consideradas como trabalho escravo e sim como trabalho degradante. É o caso de algumas serrarias de Rondônia, onde brasileiros trabalham em condições desumanas – sem água  limpa para beber, sem qualquer saneamento, sem um lugar decente  para morar e sem qualquer tipo de equipamento de segurança pra lidar com as serras elétricas. Seguidamente ouvimos notícias de trabalhadores e até crianças, que perdem os dedos nessas serrarias.

Existem também denúncias envolvendo esses dois tipos de trabalho – o escravo e o degradante. É o que acontece em algumas carvoarias do norte de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. As irregularidades vão desde o não cumprimento da legislação trabalhista – ninguém tem a carteira assinada – até a falta de condições de vida, de trabalho e de liberdade. Na última fiscalização feita no fim de maio, na região dos municípios de Água Clara, Ribas do Rio Pardo e Três Marias, no Mato Grosso do Sul, foram encontradas 83 irregularidades em 04 empresas.

Este ano, o Ministério do Trabalho adotou uma nova política de combate – é a fiscalização móvel. As equipes especializadas que fazem a fiscalização nunca são formadas por profissionais do Estado denunciado. O Ministério trabalha a partir de uma denúncia. E nem sempre consegue comprovar as irregularidades, porque quando um trabalhador foge e denuncia pra imprensa, os fazendeiros ou empresários acusados dão um jeito de acabar com qualquer vestígio que comprove o trabalho escravo ou degradante. E quando a denúncia é comprovada, muitos desses exploradores pagam a multa cobrada pelo Ministério do Trabalho, mas, continuam com as irregularidades. Isso tem que acabar.

Eu estou assinando hoje um Decreto para criar um GRUPO EXECUTIVO DE REPRESSÃO AO TRABALHO FORÇADO. Ele será formado por representantes de cinco Ministérios: do Trabalho, da Justiça, da Agricultura, Comércio e Turismo e do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal. E esse não vai ser só mais um grupo de discussão. Vai agir.

A primeira tarefa será definir punições, realmente rigorosas para essas pessoas que andam transformando brasileiros em escravos. E a punição da Lei não basta. É preciso pegar esse pessoal pelo bolso. É só no bolso que eles sentem. O governo não vai mais conceder empréstimos, subsídios, rolar dívidas desses fazendeiros e empresários inescrupulosos e nem deixar que eles participem de concorrências públicas.

A atuação conjunta dos cinco Ministérios é muito importante. O Ministério da Justiça vai ampliar a cooperação com o Ministério do Trabalho. Hoje as equipes de fiscalização são acompanhadas por policiais federais. A participação da Polícia Rodoviária Federal facilitará o trabalho. Porque geralmente, os trabalhadores  que estão sendo explorados e sacrificados, são recrutados em regiões diferentes. Por exemplo, pra trabalhar nas carvoarias do Mato Grosso do Sul, são recrutados trabalhadores de Minas Gerais. Um controle bem feito nas estradas ajudaria a descobrir par onde os trabalhadores são levados.

Como o Ministério da Indústria e Comércio também está no grupo, outra irregularidade poderá ser combatida: o trabalho infantil na indústria de calçados. Há muitas denúncias contra empresas. Denúncias que não podem ser comprovadas porque as crianças trabalham em suas próprias casas. Isso é completamente ilegal, desumano e prejudica o país economicamente. Os Estados Unidos, por exemplo, já avisaram que não vão mais comprar calçados de indústrias que utilizam mão de obra infantil.

O problema do trabalho escravo e do trabalho degradante no Brasil é muito, muito grave. Felizmente, não é só o governo que se mobiliza para combater. Várias entidades da sociedade civil, como a Pastoral da Terra, também estão agindo. Esse problema tem que ser enfrentado assim: com união de esforços e sem interesses políticos ou religiosos.

Antes de terminar o programa de hoje, eu quero fazer um apelo e um alerta: um alerta aos empresários que cometem esses verdadeiros crimes – o Governo vai ser rigoroso. E um apelo a esses brasileiros que são escravizados e as suas famílias: DENUNCIEM ! Eu sei que a violência é de dar medo. O Ministério do Trabalho tem notícia de trabalho escravo em Alagoas, mas, não tem como comprovar, porque não sabe onde procurar. Ninguém denuncia por medo, medo até de morrer.

Mas, se as pessoas ficarem caladas, essas barbaridades vão continuar acontecendo. Procurem as delegacias Regionais do Trabalho, as representações dos Ministérios nos Estados, a Igreja, a Pastoral da Terra, os sindicatos dos trabalhadores...

PRECISAMOS FAZER UM ESFORÇO NACIONAL PARA CUMPRIR, DEFINITIVAMENTE, A LEI ÁUREA.


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